Por Cláudia Costin, Folha de S.Paulo
Novamente cenas de ódio e agressões estiveram presentes nos jornais e em discussões nas redes sociais. Um adolescente com problemas mentais foi barbaramente torturado e teve sua testa tatuada com termos ofensivos, por pretensamente querer roubar uma bicicleta encostada num canto.
Curiosamente, quem o fez não era o dono do objeto de desejo e, junto com um vizinho, achou importante punir o rapaz com algo que deixasse sequelas por toda a vida.
Outra cena de agressão, com consequências menos trágicas, mas certamente violenta, foi a que sofreu a jornalista Míriam Leitão, ao viajar de Brasília para o Rio. Militantes acharam que faria sentido passar parte do tempo do voo gritando-lhe insultos, entre eles o de “terrorista”.
Embora de gravidades diferentes, por trás dos dois episódios há um ponto comum: o ódio. Na presente anomia que vivemos em várias partes do país, pessoas julgam correto mobilizar a raiva acumulada por frustrações para se vingar de uma ordem de coisas que não lhes agrada.
O primeiro caso envolve claramente uma forma de justiçamento. Dado que pessoas são roubadas, deveríamos nos vingar de quem achamos que pratica esses crimes, já que a Justiça não estaria funcionando. No segundo, mais sutil, mas nem por isso menos eivado de ódio, a divergência de ideias é a justificativa não para o debate, mas para o achincalhe.
Nos dois, os mesmos ingredientes presentes na mobilização para as guerras e o fascismo: o problema é o outro, culpado por tudo o que de ruim acontece e, frente à lentidão própria de democracias, seria legítimo agredi-lo verbal ou fisicamente. O agressor quer ver sua visão de mundo triunfar, não importa por quais meios, e ainda aproveita para tornar pública a agressão nas redes sociais, o que ocorreu em ambos os casos.
Na verdade, pouco importa se o agredido é de um partido ou de outro, se é pobre ou tem profissão que exige nível superior: o desejo forte de humilhar o inimigo como forma de corrigir erros percebidos fere todas as regras de convivência social.
Em tempos em que presidentes podem se portar como crianças, sem medir as consequências do que fazem, esses dois episódios evidenciam o risco que corremos: o de termos o ódio como política pública. Afinal, os governantes tendem a ser reflexo de correntes presentes na sociedade em que vivem: se achamos que podemos prescindir de um sistema judicial e de debates verdadeiros de ideias, por que nossos líderes não os removeriam?
Não é por acaso que o Relatório Delors, publicado em 1999, já destacava entre os pilares da educação a serem ensinados nas escolas o de aprender a viver juntos. Nada mais urgente!